Neste artigo compartilho algumas ideias sobre como os jovens vivenciam suas experiências de inserção sociocultural.
O que é uma inserção sociocultural?
Uma inserção sociocultural é quase sempre um processo que envolve a imersão, seja no mundo do outro, da outra, seja no mundo social, ou seja, imersão numa nova turma, num novo bairro ou cidade, num grupo social, numa nova cultura.
Os jovens das classes populares, quando envolvidos em atividades socioeducativas nas comunidades e na escola, vivenciam experiências subjetivas de forma frequente e de maneira muito diversificada.
Sempre gosto de chamar essas vivências de experiências de “êxodo”, saídas de si na relação com o outro, com a outra, com os grupos, com a comunidade, com espaços e esferas sociais que, de algum modo, interferem e às vezes impacta o jovens, a jovem no seu desenvolvimento pessoal e social.
Digo sempre que esses segmentos, no cotidiano de suas vidas, vivem experiências de desterritorialização e de reterritorialização, para fazer alusão a duas categorias usadas pelos filósofos Félix Guattari e Deleuze. Elas são importantes, entre outras coisas, porque afetam e disparam o dispositivo do aprendizado da convivência, do viver coletivo, do con-viver com o diferente.
As dimensões da desterritorialização/reterritorialização nas experiências de “êxodo”, vividas pelos jovens e pelas jovens, quase sempre assumem um caráter educativo, já que envolvem a relação do aprender e do compartilhar experiências – escambo de saberes.
Desse modo, os jovens e as jovens, quando transitam em grupos , mundos e esferas sociais diversas, seja na comunidade, seja fora dela, envolvem-se nessas dimensões de desterritorialização/reterritorialização.
Na primeira dimensão (desterritorialização), os/as jovens vivenciam a saída de seus ambientes (internos e externos, objetivos e subjetivos), onde constroem, afirmam relações sociais e dão significação as suas identidades; onde suspendem sua segurança (psicológica) e se abrem para construir e afirmar outras relações sociais, afetivas e culturais, de certa forma buscando construir outros territórios para si (no sentido cultural e psicológico). Guattari e Deleuze, fazendo referência a processos como estes, ressaltam:
(...) É necessário ver como cada um, em qualquer idade, nas menores coisas, como nas maiores provações, procura um território para si, suporta e carrega desterritorializações, e se reterritorializa quase sobre qualquer coisa, lembrança, fetiche ou sonho.
A produção (social, política, cultural, psicológica, etc.) de si, do outro nas relações que os jovens e as jovens estabelecem, os remetem à experiência da reterritorialização. Isto é, o processo inverso, de construir-se individual e coletivamente na relação com as outras pessoas, com os outros territórios e espaços sociais (a comunidade e as escola, por exemplo); de estabelecer novas relações, afirmar novas identidades, enfim, incorporar novos aprendizados – individuais e coletivos.
O processo da reterritorialização, como vemos, implica a (re) construção, (re) significação ou (re) afirmação dos próprios referenciais, numa relação dialógica, na perspectiva freireana:
O diálogo é o encontro entre [seres humanos], mediatizados pelo mundo, para designá-lo. [...] o diálogo é o encontro no qual a reflexão e a ação, inseparáveis daqueles que dialogam, orientam-se para o mundo que é preciso transformar e humanizar, este diálogo não pode reduzir-se a depositar idéias em outro (FREIRE, 1980, p.83).
Esta dimensão da reterritorialização vivida pelos jovens e pelas jovens não se dá sem conflitos. Ela vai se constituindo na pluralidade, diversidade, num grau de abertura à realidade, numa perspectiva de interação muito forte dos jovens para com os outros jovens e para com os ambientes sociais onde se inserem.
O processo de reterritorialização implica um compartilhar o mesmo espaço com outras pessoas diferentes no modo de ser e agir, modos esses que estão a transitar o tempo todo nos espaços sociais referidos acima.
(In) Concluindo...
É importante estarmos sempre atentos ao modo como os jovens e as jovens vivenciam suas experiências, pois elas sempre terão a ver com o modo como desterritorializam e se reterritorializam nos diferentes espaços e ambientes sociais e institucionais. O aprendizado da convivência na diversidade é sempre fundamental na construção/afirmação das pessoas, de seus desejos, de sua subjetividade e dos grupos pelos quais os jovens e as jovens transitam e nos quais constroem suas relações. Igualmente importante, é perceber os significados e valores que tecem nesses processos de inserção, pois é ali que desenvolvem e mobilizam o que o filósofo Jorge Larossa chama de “tecnologias do eu”.