Movimentos Sociais

CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Outro dia, comentei no artigo “Pobreza Política” sobre o charme que é falar da pobreza e da exclusão social no Brasil, problemáticas tratadas atualmente do ponto de vista estritamente gerencial, e não mais como resultado de uma estrutura social e política injusta e desigual, produtora de pobreza, injustiça e exclusão.

O outro lado da questão é que temos visto crescer no Brasil a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais. Você já deve ter visto em seu bairro ou nos telejornais do país o modo como os governos têm tratado a periferia e os líderes dos movimentos sociais que lutam por direitos consagrados na Constituição Federal de 1988, principalmente os líderes e as líderes do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Teto (MTST), alvo da ação policial repressora do Estado e dos grupos de extermínio do país. Só para dar um exemplo, no ano passado, 32 moradores de rua foram assassinados em Maceió (AL) por grupos de extermínio, fato denunciado junto à Organização das Nações Unidas por um grupo de organizações e movimentos sociais da referida capital.


A perseguição e o extermínio de sem-tetos no Brasil levaram o MTST a empreender a Campanha “Sem Teto com Vida”, lançada em audiência pública no Senado Federal no dia 04/10/2011, com abaixo-assinado eletrônico, visando alcançar o apoio da população brasileira. A campanha chama a atenção para os casos de assassinatos e violências contra lideranças do movimento no Amazonas, Minas Gerais e Distrito Federal. Neste último, um dos líderes nacionais do MTST teve sua casa invadida por dois homens, os quais contra ele dispararam 18 tiros, atingindo o rapaz de raspão. O documento denuncia a criminalização do movimento e o impedimento de realizar mobilizações e reuniões públicas em vários municípios do país. O movimento está organizado em 14 estados brasileiros.

O MTST denuncia que a violência contra os sem-tetos ampliou-se sobretudo em 2011, em virtude das ações de desocupação das áreas onde vivem muitos sem-tetos para a implementação dos projetos da Copa de 2014 no Brasil, sem falar do déficit oficial de 6,3 milhões de moradia no país, que agrava a situação, número contestado por muito pesquisadores por não abarcar uma situação que é mais ampla e mais gritante no Brasil.

O economista Francisco Carneiro Felippo esclarece que a criminalização dos movimentos e da luta social no Brasil envolve, em geral, dois aspectos importantes: 1) a criminalização do protesto e da vida cotidiana da periferia, onde esta é associada ao crime, o que leva o Estado a atuar policialmente através da repressão e do isolamento geográfico – é a opção pela criminalização, repressão e isolamento e não a escolha pela inclusão social de milhares de pobres, em sua maioria negros e negras; 2) a luta social organizada não é mais um direito, é uma ameaça à sociedade, onde qualquer ação da periferia é classificada como terrorismo, fortalecendo o opinião unilateral dos empresários e da sociedade em geral, que busca na mídia a munição para disparar contra as ações sociais e mobilizadoras dos movimentos. Esse fato fortalece o poder e dar legitimidade às ações policiais repressoras e exterminadoras.

Desse modo, vai-se institucionalizando cada vez mais um modo de tratar a pobreza e aqueles que contra ela lutam. Percebamos que são duas formas de tratar a pobreza e a luta social: uma, que é falar da pobreza e das questões sociais como matérias circunscritas à gestão, como algo “fácil” de resolver e de acabar, questões desvinculadas do sistema criminoso que as produz – o capitalismo. Essa forma de tratar a pobreza é enganosa, porque despolitiza as questões que, por sua natureza, nos remetem ao modelo sociopolítico-econômico gerador de problemas sociais como a a desigualdade social e a exclusão - ambas geradores de pobreza. A outra forma é tratar a pobreza e a luta social como elementos ameaçadores da ordem, do status quo, fontes geradoras de violência contra o modo “instituído” de gerenciar os problemas e as questões sociais, pois essa forma, segundo essa visão, toma e leva os problemas e as questões sociais para o campo do conflito e não da negociação, negociação essa onde a inclusão social é possível, pela via do controle social, do amordaçamento das lideranças (e seus movimentos) e pelos “circuitos” de inclusão social de pobres que, no fundo, beneficiam de modo pleno os grupos que historicamente sempre foram beneficiados. Quais instrumentos o Estado costuma usar nesta segunda forma de tratar a pobreza e a luta social? Ultimamente, temos visto: “toques de recolher”, programas “tolerância zero” (pobre não tem direito de ir e vir); ações nas áreas urbanas visando remover as populações (chame-se despejo), as quais são desterritorializadas e jogadas para fora da cidade (pobre não pode incomodar a ordem e a paz social); expulsão de moradores de suas terras, áreas de interesse da especulação imobiliária (muitas favelas estão sendo expulsas para dar lugar aos conjuntos e condomínios para a classe média), dentre outras medidas.


O MTST, na luta social em prol da Reforma Urbana, tem um lema que traduz muito bem a contradição dos “circuitos” de inclusão social de pobres no contexto da sociedade brasileira de hoje: “Minha Casa, Minha Luta”. O lema denuncia o programa “Minha Casa, Minha Vida” que, segundo informações do próprio movimento, beneficia mais aos empresários da construção civil do que às milhões de famílias sem teto no Brasil. O Brasil colocou cerca de 34 bilhões de reais à disposição dos empresários desse ramo. Na primeira fase do programa, 18 milhões de famílias se cadastraram, mas apenas 400 mil casas foram destinadas à famílias cuja renda é de 0 a 3 salários mínimos. Essa realidade revela que as empresas não constroem casas para os pobres, somente para as classes médias, pois estas, é que trazem lucro.

Finalizando...

Essas formas de tratar a pobreza e os movimentos sociais no Brasil denunciam a destituição do social e a despolitização da política. Talvez estejamos vivendo um processo de consolidação dos modelos sociais e políticos do neoliberalismo, onde o social é sinônimo de ações e programas compensatórios; a política, sinônimo de gestão; movimentos e organizações sociais, braços executivos e colaboradores dos governos neoliberais.

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CRISE ECOLÓGICA E MOVIMENTOS SOCIAIS



Ontem, recebi uma e-mail de um grande amigo belga socializando acontecimentos das últimas duas semanas. Trata-se de um movimento, liderado pela ONG 350.org , contra as areias betuminosas, cuja primeira etapa da campanha chegou ao fim, com um saldo de 1.252 prisões de norteamericanos em Waschington DC. Apesar das prisões, a campanha conseguiu apresentar uma petição subscrita por 618.428 pessoas, petição essa que demarca um posicionamento contrário à construção do oleoduto Keystone XL, que vai atravessar os Estados Unidos até o Golfo do México e depende de autorização do presidente Obama. Esse posicionamento se soma a milhares de outros em todo o mundo, pois o movimento se insere nas lutas contra a destruição do planeta, levada a cabo por um modelo de desenvolvimento que é responsável pela crise ecológica que vivemos neste século. Foi um ação de desobediência civil. Ah, eu ia esquecendo, muitos cidadãos brasileiros e cidadãs brasileiras participaram da campanha, entregando um abaixo-assinado no Consulado Geral do Canadá, em São Paulo e Rio de Janeiro, e na Embaixada do Canadá, em Brasília.

Por que essas pessoas foram presas se lutavam contra o segundo maior depósito de areia betuminosa do mundo, de onde se explora petróleo, localizado na província canadense de Alberta?

Porque elas e muitas outras pessoas entenderam que precisamos ir além da produção de combustíveis fósseis, precisamos salvar o planeta, pois chegamos num nível considerado extramamente delicado. Vejamos alguns dados já massivamente divulgados e conhecidos:

- O planeta Terra dá sinais cada vez mais reiterados e evidentes de esgotamento. Os sistemas físicos e biológicos alteram-se rapidamente como nunca antes aconteceu na história da civilização humana. Desde o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) de fevereiro de 2007, já não há mais contestação de que o responsável pela evolução acelerada da tragédia ambiental é a ação humana sobre a Terra;
- Destaque-se que para muitos, as previsões do IPCC já estão defasadas. O quadro hoje seria pior do que o alardeado pelos cientistas no relatório de 2007. Estudo recente, realizado por Johan Rockström, da Universidade de Estocolmo, e outros 28 cientistas de Universidades e Institutos europeus, norte-americanos e australianos propõem agora um novo e polêmico sistema. Propõem nove “limites planetários” que a humanidade deve respeitar para não desestabilizar os sistemas terrestres essenciais, com mudanças climáticas bruscas e talvez catástrofes.

Por isso que muitos estudiosos afirmam e defendem que estamos vivendo uma crise civilizacional. Edgar Morin, por exemplo, defende que “nossa época de mudanças tornou-se uma mudança de época”, Zigmunt Bauman, afirma que “a crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não nasceu: neste interregno surge uma grande variedade de sintomas mórbidos”.

Aproveito, pois, este espaço para convocar a todos e todas, em seus diferentes e diversificados lugares, a se tornarem paladinos e paladinas do Planeta, nossa grande casa.

A mensagem estampada na faixa do movimento liderado pela ONG 350.org "Chega de Areias Betuminosas", com um abaixo-assinado de 618.428 pessoas, é uma convocação e pode ser interpretada como um imperativo ético: “Chega de destruição, outro Planeta é Possível”.

Quem aceita esse desafio?

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