quinta-feira, 2 de abril de 2015

COMO REFORMAR O SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO?

Vivemos uma crise política e ética na sociedade brasileira, crise essa que se expressa na transfiguração do conceito e espaço do político, caracterizado pelo fim dos grandes projetos e das utopias transformadoras; rejeição aos fundamentos éticos e à justiça social; fortalecimento de uma visão individualista da política. A democracia e a política são vistas apenas como instrumentos, arranjos, na medida em que garantem a funcionalidade da sociedade e da administração pública. Nesse sentido, a democracia e a política, segundo essa compreensão, não passam de meros instrumentos para garantir essa funcionalidade. Assim, concluímos que a democracia abstrata das urnas não envolve uma igualdade política real (Cole, 1992).


O sistema representativo atual, em grande medida, tem servido apenas para conciliar o sufrágio universal e igualitário com a conservação de uma sociedade desigual, tem servido para domesticar nossa democracia (Macpherson, 1978). Vivemos uma época em que é patente e profundo o esgotamento do potencial de representatividade dos partidos políticos e de outras instituições da sociedade, reflexo da crise de legitimidade do Estado (neo) liberal-social que temos. Frente a essa situação, a democracia e a política poderão desempenhar dois papéis: integrarem–se a essa institucionalidade e fortalecer a crise de legitimidade do Estado (neo) liberal-social, ajustando-se à ordem até então por ele estabelecida, ou assumirem um papel de agentes transformadores, mediante a recusa a essa lógica.

Para atingirmos a segunda opção faz-se necessário uma reforma de nossos Sistema Político. O presente artigo propõe-se a apontar algumas idéias e sugestões de como operar essa reforma. Tomaremos como referência fundamental o documento “Construindo a Plataforma dos Movimentos Sociais para a Reforma do Sistema Político no Brasil”. A Plataforma vem sendo discutida desde 2004, ano em que foram organizados vários seminários regionais e estaduais, fomentando a discussão no Acre, Amapá, Pará, Tocantins, Rondônia, Roraima, Maranhão, Ceará, Pernambuco, Piauí, Sergipe, Alagoas, Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Na seqüência, em 2005, foi realizado em Recife o seminário nacional “Novas estratégias para ampliar a democracia e a participação”, reunindo mais de 60 participantes, representando diversas organizações/redes/foruns/movimentos e articulações de 21 estados. Em março de 2011, os Movimentos Sociais lançaram a Plataforma através de um projeto de lei de iniciativa popular, objeto de grande debate no momento atual.

Em função dos limites deste espaço, procuraremos apresentar e esclarecer as propostas de forma didática, facilitando o entendimento e a apropriação das mesmas pelos leitores e leitoras deste Blog.

O que entendemos por Reforma Política?

Do ponto de vista dos Movimentos Sociais, a Reforma Política é a mudança do próprio processo de decisão, isto é, da maneira de entender, organizar e exercer o poder no Brasil, considerando as dimensões legislativa, executiva, judiciária e dos meios de comunicação. Já do ponto de vista das elites brasileiras, a reforma não passa de alterações no processo eleitoral. Ela não tem interesse em mudar o modo de entender, organizar e exercer o poder no Brasil. Por isso, a discussão atual não mexe com a estrutura de poder que temos no país, poder que sempre teve seus fundamentos no clientelismo (prática baseada na troca de favores e no apadrinhamento), na corrupção, no nepotismo (prática de favorecimento e distribuição de empregos a parentes por parte de pessoas que exercem cargos públicos), no personalismo (culto às personalidades e desvalorização do debate político), dentre outras heranças políticas malditas.


Portanto, os Movimentos Sociais entendem a Reforma Política como:

O processo de reestruturação do poder que visa a radicalização da democracia para enfrentar as desigualdades e a exclusão, promover a diversidade e fomentar a participação cidadã.

Essa Reforma deve está assentada nos princípios de igualdade (equilíbrio de direitos e responsabilidades entre os cidadãos e as cidadãs, respeitando a diversidade), a diversidade (de gênero, de gerações, raça/cor, etnia, orientação sexual, pessoa com deficiência, entre outros), justiça, liberdade, participação, transparência (acesso universal às informações por parte da população) e de controle social (monitoramento e fiscalização do Estado por parte da sociedade).

O que entendemos por Democracia?


A democracia, na visão dos Movimentos Sociais, não se restringe ao voto, como é comum na sociedade brasileira. A democracia é muito mais que votar e ser votado. Democracia é o processo de construção da vida social, ou seja, de construção e transformação das relações entre homens e mulheres, crianças e adultos, jovens e idosos; da vida privada e da esfera pública – relações de poder no âmbito do Estado e da Sociedade Civil.

O que fazer para reformar o poder no Brasil?

Primeira Medida: Fortalecer a democracia direta

Esta medida visa radicalizar a participação direta da sociedade em todas as decisões que lhes dizem respeito. Portanto, a Reforma Politica deve regulamentar e ampliar os mecanismos de democracia direta previstos na Constituição Federal: plebiscito, referendos e iniciativa popular. A partir dessa medida, os Estados e os Municípios seriam obrigados a envolver a população na definição e aprovação de determinados projetos de leis, de modo a ouvir a população sobre questões importantes para a vida social.

Além disso, para fortalecer ainda mais a participação direta da sociedade, seria criada uma política de financiamento público e de controle das doações privadas para as campanhas de opinião nos processos de referendo e plebiscito, evitando-se que empresas financiem determinadas campanhas, definindo seus resultados, como aconteceu na campanha do desarmamento, onde as indústrias das armas financiaram o “não desarmamento”.

Da mesma forma, a população teria o direito de revogar mandatos eletivos, quando estes não forem exercidos de acordo com os interesses da maioria da população.

Caberia ainda nesta medida, a construção de uma política pública de educação para a cidadania, com ênfase no acesso à informação e no uso dos instrumentos necessários ao exercício da participação efetiva e mais qualificada da população.

Segunda Medida: Fortalecer a democracia participativa

Em que propostas essa medida implicaria? Implicaria a participação da população na definição das prioridades de pauta do Congresso Nacional e demais Câmaras legislativas; a criação de mecanismos de participação, deliberação e controle social das políticas econômicas e de desenvolvimento, do ciclo orçamentário da União, Estados e Municípios;
a garantia de acesso universal às informações orçamentárias; garantia de continuidade de planos e programas das políticas públicas; criação de mecanismos de diálogo e de interlocução dos diferentes espaços de participação e controle social.

Todas essas propostas visam superar a atual fragmentação e paralelismo da estrutura da participação que temos hoje; enfrentar a fragmentação e a falta de diálogo entre os diversos mecanismos de participação, em particular entre os conselhos e as conferências. O que observamos é que estes mecanismos não evidenciam e tensionam o sistema político vigente, portanto, não mexem na estrutura de poder que predomina, controlado pelas elites e políticos profissionais. Com essas propostas, queremos recuperar o papel da mobilização social e da ação coletiva na construção da democracia.


Terceira Medida: Aprimorar a democracia representativa: o sistema eleitoral e os partidos políticos

A democracia brasileira supõe o sistema representativo, formado pelo (a) vereador (a), deputado (a) e senador (a), no âmbito do poder legislativo; pelo (a) prefeito (a), governador (a) e presidente (a). Essa representação é organizada pelo sistema eleitoral e partidário. Essa medida visa aprimorar esse sistema, sugerindo mudanças importantes elativas à vida pública, partidária, ao processo eleitoral/mandados e à justiça eleitoral.

No que se refere à vida pública, medida prevê o fim das votações secretas nos legislativos, da imunidade parlamentar, do foro privilegiado (exceto nos casos em que a apuração refere-se ao estrito exercício do mandato ou do cargo), do nepotismo, do sigilo patrimonial e fiscal para candidatos/as, representantes e ocupantes de altos cargos do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário e proibição de contratos de prestação de serviços entre o Estado e empresas relacionadas direta ou indiretamente a detentores de mandatos públicos. A medida defende também a exigência de concursos públicos para preenchimento de cargos públicos nos três poderes e concurso publico para ministros do Tribunais de Contas.

No que diz respeito à vida partidária, a medida defende: a destinação do tempo de propaganda partidária para ações afirmativas, ou seja, para promoção da participação política das mulheres, afro-descendentes, indígenas, homossexuais, idosos e pessoas com deficiência; o uso de recursos do fundo partidário para a educação política e ações afirmativas voltadas para as mulheres afrodescendentes, indígenas, homossexuais, idosos e pessoas com deficiência (organizados/as nos partidos); para a implantação da Fidelidade Partidária; fim da cláusula de barreira.

Para o processo eleitoral e mandatos, a medida defende o financiamento público exclusivo de campanhas, combatendo a privatização e mercantilização da política, a corrupção eleitoral, o poder dos grupos econômicos nos processos eleitorais e favorecer a participação política de segmentos socialmente excluídos; voto de legenda em listas partidárias preordenadas com alternância de sexo, quebrando o personalismo e a competição interna em cada partido; diretórios partidários devidamente constituídos para lançar candidaturas; possibilidade de criação de federações partidárias para substituir as coligações partidárias, tanto nas eleições majoritárias como nas proporcionais, para cargos federais, estaduais e municipais.

Essa medida prevê ainda uma reestruturação dos processos de filiação partidária e organização dos cargos partidários, bem como o funcionamento dos mandatos, estabelecendo limites e proibições, e a organização dos debates eleitorais.

A medida defende também o fim da publicação de pesquisas às vésperas do pleito; limites para as gravações de propaganda de radio e TV, que só devem ser permitidas em estúdios; proibição de contratação de cabos eleitorais nas campanhas; estabelecimento de cotas específicas para representantes indígenas nos legislativos federal, estaduais e municipais, com estabelecimento de regras próprias adequadas à realidade sociocultural dos povos indígenas.

Sobre a justiça eleitoral, a medida apresenta proposta que visam democratizar o poder na Justiça Eleitoral, incluindo reforma da Justiça Eleitoral, através da criação, com participação da sociedade civil, do Conselho Nacional de regulamentação do processo
eleitoral, tirando esse poder do TSE; criação do órgão executivo eleitoral independente; criação de órgão fiscalizador dos processos eleitorais composto pelos partidos e organizações da sociedade civil, com dotação orçamentária própria; manutenção do TSE com a função judiciária e, preferencialmente, que seus juízes não sejam os mesmos de instâncias superiores, evitando que recursos contra suas decisões voltem a cair nas suas próprias mãos ou nas mãos de seus pares.

Quarta Medida: Democratizar a informação e a comunicação

A Reforma Política proposta pelos Movimentos Sociais entende que a informação é poder e a qualidade da informação ou o nível de informação de um povo influencia direta
e necessariamente a qualidade do processo democrático. Não é possível falar em democracia plena com um cenário de concentração dos meios de comunicação como o brasileiro. Hoje no país, nove famílias controlam os principais jornais, revistas e emissoras de rádio e TV. Nove têm liberdade e 180 milhões de pessoas têm que aceitar o que lhes é imposto por poucos.

Por isso, a Reforma propõe uma série de mudanças nos meios de produção e difusão da comunicação no Brasil, entre as quais destacamos: criação do Sistema Público de Comunicação, como prevê o Art. 223 da Constituição Federal de 1988, complementarmente aos sistemas privado e estatal; criação de Centrais Públicas de Comunicação, possibilitando o exercício da produção e distribuição de conteúdos em diversas linguagens, seja para Rádio, TVs e outros; controle social do Sistema de Comunicação, visando democratizar e dar transparência à formulação e ao acompanhamento das medidas de restrição (controle de propriedade) e de promoção (sistema público e estímulo à diversidade). O controle público não se dá somente sobre os veículos, mas sobre os processos de formulação, deliberação e acompanhamento das políticas públicas da área. Nesse sentido, a Reforma define que o controle social dos meios e do processo de produção da informação e da comunicação priorize: o controle de conteúdo, a criação de Conselhos de Comunicação Social; realização regular de Conferências de Comunicação, para garantir o processo de formulação, deliberação e acompanhamento das políticas públicas da área.

A medida defende com igual urgência o fim do monopólio e oligopólio nas comunicações, afirmando o que diz o § 5º do Artigo 220 da Constituição Federal, que estabelece que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Daí, a medida incluir a defesa da criação de dispositivo legal que impeça concentração de propriedade vertical de veículos, ou seja, que um mesmo grupo possa controlar emissoras de rádio e televisão além de jornais e/ou revistas, empresa de TV a cabo e internet no mesmo mercado. Na mesma linha, defende a proibição de que parlamentares sejam concessionários de emissoras de rádio e TV, como prevê a Constituição Federal em seu artigo 54.

Quinta Medida: Democratizar o poder judiciário e abri-lo à transparência

A Reforma Política proposta pelos Movimentos Sociais compreende que o Judiciário é o poder ao qual a população tem mais dificuldades de acessar. Os (as) profissionais desse poder são concursados/as ou ocupam cargos de confiança. O Judiciário não está sujeito a nenhum tipo de controle social ou participação da população. Portanto, a Reforma defende a construção de mecanismos de participação e controle social sobre o Poder Judiciário para que cumpra o papel regulador das relações sociais, econômicas e políticas e não o que muitas vezes faz, comportando-se como um poder submisso aos interesses das classes dominantes e dos que estão de plantão no poder, sujeito a influências políticas, corrupção, nepotismo, venda de sentenças, processo decididos por juizes/as parentes do demandante beneficiado, frágil perante as pressões das elites locais. As proposta defendida incluem: instituição do Concurso Público como forma exclusiva de entrada nas carreiras do Poder Judiciário; criação das Defensorias Públicas em todos os municípios; criação das Corregedorias Populares com participação da sociedade civil para avaliar e fiscalizar a ação do poder judiciário; demissão de juízes/as e promotores/as quando comprovado caso de corrupção, venda de sentenças, tráfico de influencias ou vínculo com grupos criminosos; fim do sigilo patrimonial e fiscal para candidatos/as, representantes e ocupantes de altos cargos do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário; criação e/ou ampliação do sistemas de informação do Judiciário, facilitando o controle social.

Finalizamos este post pedindo apoio a todos os leitores e leitoras na divulgação desta Plataforma, a fim de avançarmos na construção e radicalização da democracia brasileira. Podemos promover debates e discussões em escolas, associações e espaços de formação. Acesse os links e participe, a democracia agradece!

Link de acesso ao documento: Plataforma dos Movimentos Sociais para a Reforma do Sistema Político no Brasil.

Link para assinar o projeto de lei: Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Reforma Política



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