Esse período de ascensão e fortalecimento das políticas neoliberais, coincide com a luta dos movimentos e organizações sociais pela redemocratização do Brasil, iniciada nos anos 80 (século XX) e visava ampliar a democracia, aprofundá-la e radicalizá-la para muito além do sistema político, pretendia estendê-la para as relações sociais no seu conjunto, portanto, tratava-se de um novo projeto societário. O marco formal de todo esse processo foi a Constituição de 1988, que assegurou vários elementos deste projeto.
Neste contexto histórico, duas maneiras de entender e fazer política foram ficando claras: uma, mais democratizante e participativa, que buscava construir, pela transformação da cultura, pela mobilização social e a inserção ativa e consciente dos sujeitos coletivos no processo social, uma nova sociabilidade, uma nova nação (soberania); a outra, que reduz o papel do Estado e estabelece uma nova relação com a sociedade, pautada no legalismo, no individualismo e no institucionalismo do direito, formalmente concebido e operado. Na primeira, a cidadania tem o sentido de um projeto para uma nova sociabilidade, um formato mais igualitário das relações sociais, inclusive novas regras para viver em sociedade, para a negociação de conflitos; um novo sentido de ordem pública e de responsabilidade pública. A segunda, a cidadania é concebida como participação formal, ligada ao legalismo do direito, assegurado na medida em que o indivíduo constrói competência e capacidade de sucesso para conquistá-lo.
Como observamos, neste contexto histórico a política vai assumindo diferentes concepções e apresentando diferentes faces, formas, conteúdos e ações. Essas questões são objetos de reflexão no presente artigo, cujo objetivo é oferecer uma compreensão crítica sobre a caminhada da POLÍTICA e da PARTICIPAÇÃO CIDADÃ no Brasil, tendo em vista o desafio instigante e atual de responder a pergunta: “tem a política algum sentido?”.
Os sentidos da Política
Para refletirmos sobre essa questão, vamos resgatar, de maneira resumida, as idéias de alguns pensadores e filósofos que, em diferentes épocas, procuraram responder aos desafios da organização social e econômica das cidades. Muitas dessas idéias serviram como referência para a estruturação das sociedades modernas, pois apresentaram modelos de como as sociedades deviam ser organizadas, gerenciadas e como deviam funcionar.
Aristóteles (384-322 a.C), em sua obra “Política”, afirma:
Em todas as artes e ciências o fim é um bem, e o maior dos bens e bem em mais alto grau se acha principalmente na ciência todo-poderosa; esta ciência é a política, e o bem em política é a justiça, ou seja, o interesse comum; todos os homens pensam, por isso, que a justiça é uma espécie de igualdade, e até certo ponto eles concordam de um modo geral com as distinções de ordem filosófica estabelecidas por nós a propósito dos princípios éticos.
Para este filósofo a política é a ciência da felicidade humana e do bem comum. E para ele, a felicidade consiste num modo como a pessoa vive onde ela habita, nos costumes e nas instituições da comunidade da qual faz parte. O objetivo da política é descobrir, primeiro, a maneira de viver que leva à felicidade humana, ou seja, as condições de vida das pessoas. Por exemplo: descobrir o que as pessoas precisam e devem fazer para se sentirem mais felizes. Depois, a forma de governo e as instituições sociais, capazes de assegurar essa felicidade. Os governos e as instituições deveriam existir para garantir e assegurar a felicidade humana, o bem comum na cidade. Quando não cumprem essa função ou objetivo, defendendo interesses privados ou de uma classe só, essas instituições são consideradas depravadas, desvirtuadas ou pervertidas.
Vejamos alguns pensamentos da filósofa alemã Hanna Arendt (1906-1975):
Política trata da convivência entre diferentes. A política baseia-se na pluralidade dos homens. O objetivo da política é a garantia da vida no sentido mais amplo. É na esfera política e pública que realizamos nossa condição humana. O campo da política é o do diálogo no plural, que surge no espaço da palavra e da ação – o mundo público – cuja existência permite o aparecimento da liberdade. O poder corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas para agir em concerto. O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas na medida em que o grupo conserva-se unido. Quando dizemos que alguém está 'no poder', na realidade nos referimos ao fato de que ele foi empossado por um certo número de pessoas para agir em seu nome.
As idéias de Arendt apontam para o entendimento de que a política baseia-se na relação interpessoal e na convivência, convivência esta que é diversa, pois se dá entre pessoas e grupos que são diferentes; portanto, a política é relação interpessoal, é comunicação e convivência na pluralidade, na diferença. É valorização do outro ou da outra na relação. A política é conversa, interação e diálogo entre os diferentes. A palavra e a ação é que fazem acontecer a política. Assim, podemos dizer que a política, segundo esta filósofa, é comunicação e ação. Quando um grupo resolve discutir ou tomar uma decisão e para isto leva em conta as opiniões e os diferentes interesses das pessoas da comunidade, dialogando sobre aquilo que é comum, que beneficia a todos, de modo que a comunidade alcance o seu objetivo e obtenha os resultados esperados, este grupo está fazendo a política da pluralidade, da comunicação e do diálogo apresentada por esta filósofa.
A outra idéia trazida por Arendt, está relacionada à compreensão de que a política é algo amplo, ou seja, diz respeito a todos, ao que é comum, a todo o ambiente social. Ora, este ambiente privilegiado é a cidade, é o mundo das relações sociais. A política então tem a ver com as relações entre as pessoas, os grupos, as instituições; com o que é comum, com o espaço que é de todos, com a cidade. A política, para Arendt, não deve se restringir às leis e às instituições, pois ela é ampla, deve orientar e conduzir a vida em todas as suas dimensões.
Por esta maneira de entender a política fica fácil compreendermos que a política não é uma coisa só para vereador, deputado, senador, governador e presidente. Ela diz respeito a todos e todas, ela é coisa de nosso dia-a-dia, pois todas as vezes que discutimos as questões que mexem com a vida social e comunitária, todas as vezes que nos referimos aos problemas que têm a ver com a renda, a saúde, a educação, com o emprego, a terra, estamos fazendo política. Fazer política, nesse sentido, é nos preocuparmos e fazermos algo pelo bem comum de todos. Então, concluímos: a política não é algo só de partidos, ela é meio e espaço para garantir o que é de todos os homens e de todas as mulheres.
Essa idéia de política, enquanto palavra e ação, relação de convivência e respeito pelo outro e pela a outra na diferença; enquanto construção e afirmação do espaço público, tem como alvo a liberdade. É na liberdade que se pode mostrar o que se é e o que se quer de forma aberta e interativa. Política é, pois, a palavra e a ação de construção da liberdade. Liberdade para pensar, ser e agir; para construir uma nova realidade.
Esperamos que este post suscite o interesse dos leitores e leitoras pela política, área tão fundante e fundamental de nossa existência e vida social. Veja outro post meu relacionado a este tema: "As eleições e a crise da representação" .
Quer acompanhar a política brasileira, indico os seguintes sites:
Brasil de Fato
Adital
Correio da Cidadania
Nenhum comentário:
Postar um comentário