Nesses dias me pus a pensar sobre a infância. Ah, que tempo delicioso! A gente aprendia verdadeiramente com a vida, porque viver a infância era uma brincadeira quase sem fim. O viver infantil era brincar, envolver-se em situações brincantes, estar em estado criativo, mágico, encantador, era um mundo de descobertas.
Olhando para as crianças de hoje, sem querer ser saudosista nem desconsiderar o momento histórico-social em que vivemos, constatamos que estamos diante de uma cultura em que não há espaços, de modo geral, para as brincadeiras. Isso impede as crianças de expressarem a sua cultura de infância, uma vez que as brincadeiras vêm sendo percebidas sob o ponto de vista produtivo, comumente confundidas e trabalhadas como conteúdos desportivos, atualmente muito valorizados.
De fato, nossa sociedade mudou, temos uma inversão de papéis e valores, mais informação do que podemos absorver; a mulher trabalha fora, o avanço tecnológico é grande, a família mudou, a criança se transformou, o aluno e a escola também mudaram.
As mudanças tecnológicas mudaram as formas de brincar. As crianças deixaram de brincar na rua, jogar bola, pular amarelinha e passaram a jogar videogames e jogos de computador, ignorando o sol que brilha a convidar para as brincadeiras na rua – não se pode mais ocupar as ruas. Temos assim um distanciamento das formas primitivas do brincar, em que as crianças utilizavam materiais encontrados em seu próprio ambiente: água, terra, areia, folhas, pedras, papel e outros tantos materiais que eram utilizados pelas crianças no exercício de sua invenção.
Lembro-me bem daqueles tempos em que nos sentíamos mais livres para lidar com as situações criativas, onde tudo era motivo para criar, descobrir, investigar, montar, esconder, construir, enfim, situações que favoreciam outra relação com os amigos, com a casa, a rua, o quintal, os vizinhos. Era lindo ver nossos pais, avós, tios, irmãos sentados na frente da casa e a gente brincando na rua...!
É o filósofo francês Guilles Brougère que diz que as concepções do brincar são construções que estão atreladas às representações de criança de cada época. Essas representações, portanto, vão produzir uma determinada visão sobre o lugar e importância da brincadeira na sociedade e, de modo particular, na vida das crianças.
Então, perguntar “cadê a brincadeira?”, é interrogar-nos sobre as representações que nossos pais atuais, a escola, a família, a sociedade têm sobre o brincar; é nos questionar sobre a importância e as significações que as brincadeiras assumem na sociedade de hoje.
Assim, poderíamos nos perguntar: que papel cumpre hoje o brinquedo e a brincadeira na vida das crianças, considerando nossos tempos, marcados pelo uso da tecnologia (vídeo-games, computadores, celulares, etc.)? Quem brinca e como brinca? Que tipo de infância produz? Que tipo de socialização a brincadeira de hoje está favorecendo?
Sei que são muitas as perguntas para uma reflexão que começou saudosista e não apontou nenhuma resposta, embora não seja nosso objetivo apontar respostas. Elas são um convite para que olhemos, observemos nossas crianças e procuremos identificar, atentos à cultura e à sociedade pós-moderna em que vivemos, como se relacionam com o brinquedo e com o brincar, entendendo que elas – as crianças - não podem ser entendidas de forma isolada e separada do mundo adulto. Afinal, é essa sociedade que constrói o sentido e o significado da infância e da brincadeira nos tempos de hoje.
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