segunda-feira, 26 de setembro de 2011

EDUCAÇÃO INFANTIL: CADÊ A BRINCADEIRA?

Nesses dias me pus a pensar sobre a infância. Ah, que tempo delicioso! A gente aprendia verdadeiramente com a vida, porque viver a infância era uma brincadeira quase sem fim. O viver infantil era brincar, envolver-se em situações brincantes, estar em estado criativo, mágico, encantador, era um mundo de descobertas.

Olhando para as crianças de hoje, sem querer ser saudosista nem desconsiderar o momento histórico-social em que vivemos, constatamos que estamos diante de uma cultura em que não há espaços, de modo geral, para as brincadeiras. Isso impede as crianças de expressarem a sua cultura de infância, uma vez que as brincadeiras vêm sendo percebidas sob o ponto de vista produtivo, comumente confundidas e trabalhadas como conteúdos desportivos, atualmente muito valorizados.

De fato, nossa sociedade mudou, temos uma inversão de papéis e valores, mais informação do que podemos absorver; a mulher trabalha fora, o avanço tecnológico é grande, a família mudou, a criança se transformou, o aluno e a escola também mudaram.

As mudanças tecnológicas mudaram as formas de brincar. As crianças deixaram de brincar na rua, jogar bola, pular amarelinha e passaram a jogar videogames e jogos de computador, ignorando o sol que brilha a convidar para as brincadeiras na rua – não se pode mais ocupar as ruas. Temos assim um distanciamento das formas primitivas do brincar, em que as crianças utilizavam materiais encontrados em seu próprio ambiente: água, terra, areia, folhas, pedras, papel e outros tantos materiais que eram utilizados pelas crianças no exercício de sua invenção.

Lembro-me bem daqueles tempos em que nos sentíamos mais livres para lidar com as situações criativas, onde tudo era motivo para criar, descobrir, investigar, montar, esconder, construir, enfim, situações que favoreciam outra relação com os amigos, com a casa, a rua, o quintal, os vizinhos. Era lindo ver nossos pais, avós, tios, irmãos sentados na frente da casa e a gente brincando na rua...!

É o filósofo francês Guilles Brougère que diz que as concepções do brincar são construções que estão atreladas às representações de criança de cada época. Essas representações, portanto, vão produzir uma determinada visão sobre o lugar e importância da brincadeira na sociedade e, de modo particular, na vida das crianças.

Então, perguntar “cadê a brincadeira?”, é interrogar-nos sobre as representações que nossos pais atuais, a escola, a família, a sociedade têm sobre o brincar; é nos questionar sobre a importância e as significações que as brincadeiras assumem na sociedade de hoje.

Assim, poderíamos nos perguntar: que papel cumpre hoje o brinquedo e a brincadeira na vida das crianças, considerando nossos tempos, marcados pelo uso da tecnologia (vídeo-games, computadores, celulares, etc.)? Quem brinca e como brinca? Que tipo de infância produz? Que tipo de socialização a brincadeira de hoje está favorecendo?

Sei que são muitas as perguntas para uma reflexão que começou saudosista e não apontou nenhuma resposta, embora não seja nosso objetivo apontar respostas. Elas são um convite para que olhemos, observemos nossas crianças e procuremos identificar, atentos à cultura e à sociedade pós-moderna em que vivemos, como se relacionam com o brinquedo e com o brincar, entendendo que elas – as crianças - não podem ser entendidas de forma isolada e separada do mundo adulto. Afinal, é essa sociedade que constrói o sentido e o significado da infância e da brincadeira nos tempos de hoje.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

CONTEXTO E REALIDADE DAS JUVENTUDES: ALGUMAS NOTAS

1. Juventude: conceito complexo e multidimensional


Compartilho da ideia de que conceituar juventude não é uma tarefa fácil e sua definição depende dos interesses de quem maneja esse conceito e de quem trabalha com esse segmento. Acreditamos que o contexto socioeconômico, social, histórico e cultural contribui e é determinante na compreensão do conceito de juventude e na relação que com ela se estabele. Compreendo a juventude como um fenômeno multidimensional, caracterizado por fatores diversos relativos: à geração, à educação, ao trabalho, à comunicação, à participação e à exclusão do consumo, dentre outros fatores.

Portanto, juventude é uma construção social e cultural, o que implica pensar os/as jovens a partir do contexto e da condição em que vivem no Brasil. Nesse sentido, podemos dizer que a juventude não é só um segmento situado na faixa etária que vai dos 15 aos 29 anos, portanto uma breve passagem, mas a vivência de um período (complexo e multidimensional) específico do ciclo da vida, caracterizado histórica e culturalmente, em que os indivíduos buscam completar sua formação física, intelectual, psíquica, social, cultural e processar a passagem da condição de dependência para a de autonomia em relação à família de origem. Trata-se da vivência de um ciclo marcado centralmente por processos de desenvolvimento, inserção social e definição de identidades, o que exige experimentação intensa em diferentes esferas da vida.

Os/as jovens são sujeitos/as com necessidades, potencialidades e demandas singulares em relação a outros segmentos etários, requerendo suporte adequado para desenvolver sua formação integral e também para processar suas buscas, construir seus projetos e ampliar sua inserção na vida social.


2. Contexto e realidade das juventudes


Dialogo nesta parte com alguns dados recentes de pesquisas e de órgãos oficiais, como o IBGE, IPEA, PNUD, PNAD e SIM.


A população juvenil se contrai


A partir dos anos 80, com a queda das taxas de natalidade e o aumento das taxas de mortalidade juvenil, constata-se que a população jovem apresenta uma tendência para a contração, segundo projeções oficiais. Existem cerca de 34,7 milhões de jovens na faixa de 15 a 24 anos, representando 18,5% da população total do país. Os dados oficiais indicam que as regiões Sul e Sudeste apresentam um progressivo decréscimo da população juvenil, com o conseqüente envelhecimento da população. Nas regiões Norte e Nordeste a população juvenil (15 a 24 anos) ainda é maior que a população adulta (25 anos acima), mas as projeções também revelam que essas regiões também serão afetadas por este fenômeno.


O analfabetismo ainda nos desafia


Um dos grandes problemas que marca a juventude brasileira é o analfabetismo, que atinge a população juvenil de mais de 15 anos. No Brasil o analfabetismo atinge 12,4% da população de mais de 15 anos de idade. Esse percentual é alto, quando comparado ao índice de analfabetismo de vinte países da América Latina e Caribe, chegando o Brasil a ocupar a 13ª. posição.

Do início dos anos 90 para cá tem havido uma significativa melhora do índice acima mencionado na faixa etária de 15 a 24 anos, mas principalmente nas regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste. No Nordeste (7,5 milhões de analfabetos), entre os/as jovens na faixa de 15 a 29 anos, segundo o próprio MEC, o índice chega a 12%, chegando a ser cinco vezes maior, comparado com essas regiões. No total, são quase 1 milhão de analfabetos jovens. A maior parte deles está concentrada nos estados do Ceará, Pernambuco, Bahia e Maranhão. Os dados mostram que estes jovens vivem nas áreas rurais da região, pertencem a famílias também analfabetas e de baixo poder aquisitivo.


Os jovens estão fora da escola


É fato que 98% das pessoas de 7 a 14 anos estão na escola (dados de 2009), revelando a universalização da escolarização nessa faixa. Porém, quando tomamos como referência a faixa etária dos 15 a 24 anos, percebemos que a situação muda, visto que somente 30,3% estavam frequentando a escola em 2009, sem falar que, quando estão na escola, o nível de ensino desses jovens não corresponde a sua idade cronológica.


Os jovens não freqüentam a escola


Portanto, muitos jovens não estão freqüentando a escola. Essa realidade foi constatada em 21 dos 27 estados da federação. Os estudos mostram que essa situação piora quando os/as jovens pertencem a famílias cujo poder aquisitivo é baixo, entre outros problemas sociais vividos por esses segmentos.

Além disso, os estudos também mostram que há distorção entre a série e a idade do/da jovem. Constatamos que muitos jovens, na faixa dos 15 anos de idade, deveriam estar cursando o ensino médio, e isto não está ocorrendo, evidenciando a defasagem da escolarização entre os/as jovens.


Os/as jovens do Norte e Nordeste estudam menos


Outra situação preocupante é que, ao contrário dos/das jovens do Sul e do Sudeste, os/as jovens do Norte e Nordeste possuem uma média de anos de estudo baixa, chegando a 7,3 anos. No Sul e no Sudeste essa média chega a mais de 9 anos. Quando colocamos a questão da raça/cor, percebemos que ela incide sobre a média de anos de estudo. Os dados mostram que os/as jovens brancos possuem uma média de 9,3 anos de estudo e os negros de 7,3 anos. Essas diferenças são constatadas praticamente em todas as regiões do país. Constatamos também que os anos de estudo diminuem na medida em que os/as jovens pertencem a famílias de baixo poder aquisitivo.


A educação oferecida às/aos jovens é bastante deficitária


O problema da baixa qualidade talvez seja o principal problema na área educacional do país. O Brasil está situado praticamente no último lugar ou nas últimas posições, quando comparado a outros países. Os estudos que analisam as competências e o desenvolvimento da aprendizagem dos/das jovens realizados por vários órgãos brasileiros e internacionais, apontam que mais de 90% dos alunos não tiveram uma formação adequada em matemática e em língua portuguesa. Quando o desempenho é avaliado segundo as diferenças de raça/cor, os estudos mostram que o desempenho dos brancos é maior que o desempenho dos jovens negros e das negras.


A renda dos/das jovens cai nos últimos anos e menos de 50% tem alguma renda


Cerca de 46,7% dos/das jovens no Brasil têm acesso algum tipo de renda. Dos jovens na faixa de 16 a 24 anos que trabalhavam em 2010, 22% recebiam até ½ salário mímino. Essa situação tem influenciado no acesso aos serviços sociais, principalmente à educação e à saúde.

Quando essa situação é avaliada tomando-se como referência as regiões, percebemos que as diferenças geográficas são patentes, revelando a existências de dois "Brasis”: de um lado as regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste, onde a situação de renda dos/das jovens é melhor, inclusive influenciando na média de anos de estudo que ficou em torno de 11,1 anos; e do outro, as regiões Norte e Nordeste, onde são bem mais altos os índices de indigência e pobreza, influenciando negativamente na média de anos de estudo, que não passa de 6 anos (o Ensino Fundamental tem 8 anos).

Os dados também mostram que os jovens têm renda maior que as jovens. A média de renda entre os homens foi R$ 442,00 e a das mulheres, de R$ 376,00, 16% inferior.

Nesse caso também, a raça/cor influencia na condição econômica de renda. A renda dos/das jovens negros é sempre inferior à renda dos/das jovens brancos
.

O desemprego massacra os/as jovens brasileiros/as


Os dados das pesquisas,como a realizada pela Organização Internacional do Trabalho em 2009, mostram que a taxa de desemprego entre os jovens é 3,2 vezes superior à taxa constatada junto aos adultos. O índice de desemprego dos jovens na faixa de 15 a 24 anos é de quase 18%.


Somente 22,2 milhões estavam ativos em 2009, ou seja, trabalhando ou procurando emprego no Brasil. Dos ocupados, quase 1/3 não tem carteira assinada.

As pesquisas mostram também que as taxas de desocupação entre os jovens são maiores na região Sudeste (20,3% ), Centro-Oeste (17%) e Nordeste (16,7%).


Os jovens estão morrendo mais: a deterioração da saúde juvenil por causas externas


O Mapa da Violência de 2011 mostra que as taxas de mortalidade juvenil praticamente não sofreram alterações ao longo do período de 1980 a 2008, chegando a 133 por cada 100 mil jovens, em 2008.

Essa realidade evidencia que a saúde do jovem brasileiro está se deteriorando, não por motivo natural, mas porque a juventude é vítima de acidentes, homicídios e suicídios. As mortes dos segmentos juvenis estão associadas à violência (conflitos armados), aos suicídios e aos acidentes de trânsito. Essas causas respondem por 72,8% da mortalidade juvenil de 15 a 24 anos no país.

Os estudos mostram, portanto, que em décadas passadas, a mortalidade juvenil estava ligada à causas naturais, fruto de epidemias e doenças infecciosas. Atualmente, os jovens morrem mais devido à violência, aos acidentes de trânsito e ao suicídio. As causas naturais (doenças) são responsáveis por 27,2% das mortes dos jovens.

Os estados que se destacam no número de homicídos na população de 18 a 24 anos, considerando o ano 2008, segundo o Mapa da Violência/2011, são os seguintes: Pará (região Norte), com 1.086 homicídios; Bahia (região Nordeste), com 2.004 homicídios; Rio de Janeiro (Sudeste), com 1.933 homicídios; Paraná (Sul), com 1.388 homicídios; e Goiás (Centro-Oeste), com 613 homicídios.


A Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, estimou, através de estudos realizados em 2009, que o Brasil perderia por ano 4.876 adolescentes, chegando a um total, em 2012, de 33.500 brasileiros.


Os/as jovens também morrem por causas internas


A taxa dos/das jovens que morrem por causas internas é de 33,3 jovens em 100 mil. Esta taxa está associada à má qualidade de vida (condições de moradia, saneamento, esgoto), precariedade dos mecanismos de assistência à saúde, desigualdade no acesso aos serviços, fragilidade ou ausência de trabalhos preventivos e educativos relacionados à saúde etc., destacando-se as regiões mais pobres do país – Norte e Nordestes – como as que sofrem a falta dessas condições ou com a oferta e cobertura ineficiente dos serviços de saúde.


Ainda é muito baixo o acesso dos/das jovens à Internet em casa


Segundo o IBOPE (2009), 38, 2 milhões de brasileiros tinham acesso à Internet em casa, o que representa pouco mais de 20% da população brasileira.

O PNAD/2010 mostrou que o computador chega a 35% dos domicílios brasileiros e 27% dos lares têm Internet.

A OCDE, em 2009, mostrou que, nos segmentos dos estudantes das faixas ricas do Brasil o percentual de acesso á Internet chega à casa dos 86%. Já na camada dos estudantes mais pobres do país esse percentual chega a 15%, um traço da exclusão do acesso às tecnologias de comunicação e informação.


Considerações Finais


Como observamos, o enfoque deste artigo foi predominantemente estatístico. Como se trata apenas de algumas notas, quisemos tão somente caracterizar a realidade dos jovens para chamar a atenção para a sua condição no Brasil e para a necessidade e urgência do enfrentamento desses problemas.

Essa realidade, de modo particular, apresenta muitos desafios para os governos e as organizações que trabalham com as juventudes.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM: PARA QUE TE QUERO?


Tem-se discutido muito os rumos da educação e como a escola deve estruturar o processo de ensino-aprendizagem.

Não há receitas, porque o ensinar e o aprender são fenômenos históricos e sociais, portanto são contextualizados, além de serem fenômenos multidimensionais.

Hoje, porém, ainda se debate muito sobre o processo de ensino-aprendizagem tendo como referência algumas abordagens teóricas e metodológicas, originadas em contextos históricos e sociais diferentes dos que vivemos atualmente, embora com eles tenham significativa relação.

Correndo o perigo de cair no simplismo teórico, podemos dizer que o ensinar e o aprender, como processos interligados, articulados e interdependentes, sempre se debateram em torno de quatro tendências, as quais poderíamos resumi-las em quatro palavrar fortes: transmitir, moldar, humanizar e integrar.

Ensinar-aprender é transmitir?

Até hoje, infelizmente, muita gente entende e defende que o ensinar-aprender é transmitir, ou seja, que o papel da escola é transmitir o conhecimento acumulado pela humanidade ao longo dos tempos. Caberia então ao professor, em sala de aula, organizar esses conhecimentos e repassá-los aos alunos e alunas. A estes e a estas caberia apenas receberem passivamente estes conhecimentos e incorporá-los como depositários. Paulo Freire chama esse tipo de educação de “educação bancária”, em que se estabelece uma relação entre um depositante – o professor – e os depositários – os alunos e as alunas. O professor detem e controla o saber ; os alunos e as alunas recebem pacientemente, memorizam e repetem esse saber. Nessa visão do processo de ensino-aprendizagem são valorizados os conteúdos estabelecidos e determinados pelo currículo escolar, ficando sem importância os saberes e experiências dos estudantes e das estudantes. Predomina, portanto, as disciplinas e a organização curricular estabelecidas pela escola e pelo professor.

Ensinar-aprender é moldar?

Outra parcela significativa de pessoas e instituições compreende o processo de ensino-aprendizagem como uma ação organizada pedagógica e metologicamente sobre o comportamento do estudante e da estudante, visando moldá-los e moldá-las. Isto é, prioriza também os conteúdos determinados pela escola e pelo professor tendo como preocupação e ênfase educativa o comportamento. Isso implica conceber o aluno e a aluna como seres domináveis, controláveis e conduzíveis. E a forma de operar isto é através do comportamento. O objetivo da escola e do professor é direcionar os conteúdos a fim de controlar e moldar os alunos e alunas para os valores e perspectivas sociais que entendem ser mais adequados socialmente para o corpo discente. Para serem efetivos para com este objetivo escolas e professores se instrumentalizam de forma autoritária e com métodos rígidos a fim manter o controle sobre o corpo discente e assim garantir os interesses em questão.

Ensinar-aprender é humanizar?

Atualmente, esta tendência tem procurado se firmar na escola. O professor tem buscado ser visto e assumir-se como um facilitador, pois para a escola e para os docentes o importante não são exatamente os conteúdos, mas os relacionamentos entre os estudantes e as estudantes, o aprendizado da solidariedade, a construção de si e do outro na relação. Há uma ênfase na autoeducação, onde o aluno e a aluna são vistos como sujeitos do conhecimento. Nesse sentido, o professor é um estimulador do processo de ensino-aprendizagem, ele não dirige esse processo, apenas orienta, facilita e opera a ação do sujeito – o aluno, a aluna; ele ajuda o aluno e a aluna a “aprender a aprender”.

Ora, se a ênfase está no “aprender a aprender”, o professor também cumpre um papel fundamental que é favorecer processos em que o aluno e a aluna aprendam a problematizar as situações, sempre numa perspectiva relacional com o conhecimento e com os outros sujeitos do processo de ensino-aprendizagem.

Ensinar-aprender é integrar?

Parece que há certa aproximação dessa tendência com a tendência humanista, uma vez que aqueles que atuam segundo essa visão, têm como preocupação central a interação do estudante e da estudante com alguns elementos fundamentais do processo de ensino-aprendizagem: a organização dos conhecimentos, processamento de informação, maneiras de pensar e de se comportar, dentre outros.

Então, como se observa, a preocupação é com a interação entre três dimensões básicas: como a pessoa se desenvolve (em suas faculdades mestais e físicas) enquanto sujeito aprendente, o que faz e como faz com o que aprende e em que esse aprendizado interfere em seu comportamento. A finalidade do ensinar e aprender está, pois, relacionada à integração entre o sujeito, o conhecimento e sua ação.

De maneira suscinta, com este post intencionamos instigar uma reflexão que não deve terminar aqui, deve ser melhor contextualizada, pois, como dissemos, as tendências nasceram num determinado contexto histórico-social e como tais revelam interesses político-ideológicos dos atores que as criaram e as defenderam, bem como daqueles que detem o poder na sociedade, que definem por isso o que se deve ensinar, aprender e como operar esse processo.





segunda-feira, 19 de setembro de 2011

CRISE CIVILIZACIONAL: ALGUNS SINTOMAS


Em um de nossos artigos, falamos da crise ecológica como uma crise integrante de uma crise maior: a crise civilizacional . Comentamos que um dos grandes sintomas dessa crise é a destruição, o descuido e descaso com o meio ambiente, enfim, com os ecossistemas que garantem a reprodução da vida humana, aguática, mineral, vegetal e animal em nosso Planeta.

Vimos que nosso Planeta agoniza, pede socorro e uma parcela de pessoas, grupos, instituições e alguns poucos governos no mundo, em vários lugares, em diferentes territórios e de muitas maneiras, procuram fazer algo em sua defesa e preservação. A cidadania plenetária, de que tanto nos fala Leonardo Boff, ainda não é uma realidade no mundo, apesar de muitas e significativas iniciativas, como, por exemplo, o Fórum Social Mundial, a Campanha contra a construção do Oleoduto de Keystone XL, que vai atravessar os Estados Unidos até o Golfo do México para explorar as areias betuminosas, dentre outras.

Mas, além da destruição, descuido e descaso para com nossos ecossistemas, existem vários outros sintomas dessa crise civilizacional, já bastante enfatizados por vários cientistas, teóricos, importantes ativistas e organizações que atuam na área ambiental e dos movimentos sociais. Faremos referência a alguns desses sintomas de maneira abreviada, procurando socializar alguns dados científicos, também já bastante propagados, para mostrar que o nosso Planeta não pode continuar seguindo, orientando-se por um padrão autodestrutivo, aprofundando e consolidando um modo de nos relacionarmos com os bens naturais, materiais e imaterias que possuimos ou que estão a nossa disposição, e que foram construídos por várias civilizações. Na verdade, não vou dizer nada de novo, apenas compartilhar informações e muita indignação para com o que estamos fazendo com nossa Casa e para com as gerações vindouras. Inspiro-me aqui no que tem falado há muitos anos o teólogo Leonardo Boff, só para citar apenas um nome, que tem direcionado sua literatura para esse tema.

Quais os sintomas da Crise Civilizacional?


1. Descuido e descaso pela vida inocente das crianças


Completamos 20 anos de Convenção sobre os Direitos da Criança, o tratato considerado um dos mais importantes da história, segundo o UNICEF, pois mudou a maneira como as crianças são vistas e tratadas no mundo todo. Ratificada por 193 países, a Convenção articula um conjunto de direitos universais da criança, tais como o direito a uma identidade, um nome e uma nacionalidade; o direito à educação; e o direito aos mais altos padrões de proteção à saúde e contra abuso e exploração.

Segundo o Relatório “Situação Mundial da Infância/2010”, do UNICEF, avanços foram registrados nos últimos 20 anos, como: a redução do número de mortes, caindo de 12,5 milhões para uma estimativa de 8,8 em 2008 (queda de 28% na taxa de mortalidade infantil); o acesso de 1,6 milhões de pessos no mundo a fontes de água melhorada, entre os anos de 1990 a 2006; o acesso de 84% das crianças em idade escolar à escola primária; a redução do número de crianças traficadas para a prostituição infantil; as crianças não mais representam a face perdedora da pandemia de HIV e AIDS, dentre outras conquistas.

Contudo, apesar desses avanços, temos muitos desafios pela frente, pois, na área na qual ocorreram os maiores avanços (sobrevivência infantil), ainda morrem diariamente, em média, 25 mil crianças menores de 5 anos, em sua maioria devido a causas evitáveis por meio de intervenções eficazes e de baixo custo. Há estudos que mostam que mais de um bilhão de crianças são privadas de pelo menos um de seus direitos com relação à educação, água e saneamento, acesso à informação, cuidados essenciais de saúde, nutrição e abrigo. Acesse o referido relatório para ver mais detalhes.


2. Descuido e descaso para com o destino dos pobres e marginalizados do Planeta


O Relatório do Desenvolvimento Humano/2010 do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) apresenta uma nova medida de pobreza multidimensional que complementa as avaliações de pobreza baseadas no rendimento, levando em conta diversos fatores ao nível das famílias, desde os padrões de vida básicos ao acesso à escolaridade, água potável e cuidados de saúde. Estima-se que cerca de 1,7 milhões de pessoas – um terço da população de 104 países incluídos no Índice de Pobreza Humana (IPH) – vivam em situação de pobreza multidimensional, acima da estimativa de 1,3 mil milhões que vivem com USD 1,25 por dia ou menos.


No Brasil, segundo o Senso Demográfico de 2010, o número de pessoas que vive na extrema pobreza totaliza 16 milhões e 270 mil pessoas, o que representa 8,5% da população total.


3. Descuido e descaso para com os jovens pobres


O HIV/AIDS tornou-se a principal causa de mortalidade dos jovens, seguindo-se a violência e as lesões. Atualmente, existem 10 milhões de jovens vivendo com HIV/AIDS, a maior parte na África e na Ásia. A difusão do vírus tem tido um impacto devastador na saúde sexual e reprodutiva dos jovens e das jovens. Estes segmentos estão entrando mais precocemente na adolescência e casando mais tarde. A saúde dos jovens também vem sendo afetada pelo consumo sem precedentes de drogas sintéticas em nível mundial. A procura de substâncias ilícitas entre os jovens dos países em desenvolvimento aumentou para níveis que atualmente tem semelhança com os países industrializados. As taxas de detenção dos jovens é muito elevada. O Brasil é, segundo a ONU, o país onde mais se mata com armas de fogo. Todos os anos são mortos 40 mil brasileiros, em sua maioria jovens.


4. Descuido e descaso para com a coisa pública


Não tenho dados suficientes para justificar esse descuido e descaso para com a coisa pública no mundo, mas o que temos lido, ouvido e discutido é que, pelo menos no âmbito da América Latina, para falar de uma realidade mais próxima de nós, há certo descrédito na democracia em vigência nos países da região, o que nos leva a concluir que a população da região não tem muito apreço pela forma como se cuida das políticas e dos bens públicos. Há uma pesquisa, realizada em 2006, do Instituto Latinobarômetro, sediado no Chile,que mostra que 58% dos latino-americanos apoiavam a democracia e, em 2007, este percentual baixou para 54%. A satisfação com o regime democrático também diminuiu neste período, saindo de 38% para 36%. Essa insatisfação tem como causas a corrupção, as políticas focalistas e compensatórias para os pobres, que não atingem os problemas sociais em suas causas estruturais; o baixo investimento em seguridade social, alimentar, em saúde, moradia, etc. Ainda é possível observar a predominância de altos índices de pobreza e miséria na região.


5. Descuido e descaso para com a sociabilidade nas cidades


Sabemos que mais da metade da população mundial, vive nas cidades. Apesar de estarmos vivendo em tempos de globalização, supondo-se que o mundo está mais integrado e sociabilizado, assistimos a processos de desenraizamento cultural e alienação social. Em grande medida, as relações humanas e sociais se caracterizam pela superficialidade, o entretenimento, o individualismo, o consumismo, a indiferença e o espetáculo. Pesquisas mostram que grande parte das doenças humanas no mundo (pós) moderno é decorrente do estilo de vida nas cidades, marcado pela competição, falta de tempo, baixas condições de habitabilidade, alterações do humor, dentre outros. O conjunto dessas e outras causas compromete a construção de uma sociabilidade capaz de garantir o cuidado com a vida, com as pessoas e com os bens sociais, culturais, econômicos e espirituais.


Temos certeza que a crise civilizacional, cujos (alguns) sintomas fizemos referência abreviadamente, está relacionada, em última análise, ao modelo de organização da vida social e da produção de bens, modelo esse ancorado na desigualdade entre os seres humanos, na competição desenfreada dos mercados, na exclusão e apartação social da maioria da população mundial, no desemprego, no abandono e etnocídio de crianças, adolescentes e jovens.


O desafio que temos pela frente é marchar na construção, em acentuado movimento na atualidade, de um novo ethos civilizacional , que sustente um novo modo de organizar e cuidar da vida no Planeta.


Vale a pena nos deixar inspirar e mobilizar por essa bela canção de Beto Guedes:

Vamos precisar de todo mundo
pra banir do mundo a opressão, para construir a vida nova
vamos precisar de muito amor.

domingo, 18 de setembro de 2011

POBREZA DE EXPERIÊNCIA: O MAL-ESTAR DE NOSSOS TEMPOS?

Queridos leitores e queridas leitoras desse Blog, nesse post de hoje quero compartilhar com vocês um tipo de pobreza que está se alastrando em nossos tempos, mesmo que estejamos vivendo em tempos caracterizados pela ânfase ao que é imediato, ao presente, ao agora, ao latejante ou pulsante; em tempos do primado do individualismo: “a liberdade de cada um imprimir sua exterioridade com selo de sua individualidade para nela poder reconhecer-se e fazer-se reconhecer” (Gabriel Monod).

Falo da pobreza de experiência. Essa questão tem povoado minha vida, minha mente e muitas discussões com jovens, grupos e organizações sociais.

Parece que cada vez menos, conseguimos perceber o sentido do que estamos fazendo no cotidiano de nossas vidas. Há uma sensação de mal-estar geral, como se nos sentíssemos distantes da realização de nossos sonhos e possibilidades. Pensamos e fazemos com certa mecanicidade ou instantaneidade nossas tarefas, atividades, projetos e afazeres. Quase sempre não sentimos adequadamente as coisas, as práticas e os processos que implementamos ou vivenciamos, pois eles parecem passar por nós, porque temos pressa em imprimir nossa marca de reconhecimento sem conseguirmos saber de fato se nos reconhecemos no que fazemos. Esse mal-estar se inscreve em nosso corpo, na ação e nos sentimentos, como bem nos ensina o filósofo Joel Birman. No corpo, porque sempre estamos achando que sua performance não está bem, que somos devedores em relação a ele; na ação, porque vivemos o tempo da hiperatividade, que a cada dia impõe-se a nós, fazendo-nos exigências múltiplas, num caminho de repetição de tarefas/atividades cujos objetivos quase sempre não são alcançados; no sentimento, porque vivemos um vazio no sentir devido ao excesso de exigências ao corpo, que não atinge a performance que desejamos, às ações que, apesar de serem múltiplas e repetitivas, parecem nunca atingir os seus alvos. Toda essa angústia expressa-se então em nossas emoções, sentimentos, os quais vão repercurtir no corpo e impactar nossas ações, num movimento articulado de mal-estar.

Sem querer apresentar respostas para tão complexas questões nem receitas para as mesmas, creio que uma possibilidade de enfrentamento está na superação da pobreza de experiência.

Temos o desafio (e o poder) de reinventar o modo como sentimos e vivemos nossas experiências. E esse desafio implica:

1 – Entendermos que experiência é tudo aquilo que nos toca, o que nos passa, o que nos acontece, como nos ensina Jorge Larossa, e não aquilo que passar, que acontece;

2 - Reaprendermos a lidar de forma empoderada e determinante com os excessos de informação (vivemos na sociedade da informação), opinião, trabalho e com a falta de tempo. Esses excessos impedem que façamos e vivamos experiências, o que quer dizer: sentir e viver de forma mais plena o que nos acontece, nos deixar invadir pelo que nos afeta, ou seja, sentir o viver - que é ser e fazer; e viver o sentir – a expressão em nosso corpo das emoções benfazejas, do prazer, da alegria, o que nos faz mais humanos, realizados e felizes na vida.

3 – Assumir que só fazemos experiência – sentir o viver, o que nos acontece, o que nos toca, nos afeta, e viver o sentir - se “pararmos para pensar, para olhar, para escutar mais devagar, olhar mais devagar e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço” (Jorge Larossa).

4 – Pensarmo-nos como “territórios de passagem” da experiência”, como “estradas” da experiência, como criaturas abertas ao sentir e ao viver, nos tornarmos texto e contexto do que nos acontece, nos afeta e nos apaixona.

Tentando finalizar...


Podemos dizer, a título de não encerrar essa reflexão, que é a experiência que nos liga ao mundo, ao ser e ao viver. E que, sem nos tornarmos “territórios de passagem” dela, continuaremos mergulhados no mal-estar, que tanto nos adoece e produz morte na sociedade de hoje.

Quem tem medo da experiência?

sábado, 17 de setembro de 2011

COMO ANALISAR A CONJUNTURA

Este artigo é direcionado especialmente para as pessoas que têm algum tipo de atuação no social e deseja apropriar-se de um método simples de análise da conjuntura sociopolítica e econômica – conjunto de fatos, situações, acontecimentos, liderado ou conduzido hegemonicamente por uma pessoa, grupo, instituição, governo, etc., chamado aqui de ator, porque desempenha um determinado papel, seja ele social, político, econômico, religioso, cultural.

Eu usei esse método várias vezes no trabalho com grupos, instituições, movimentos. Você pode usá-lo em suas atividades sociais ou comunitárias, sempre que precisar discutir a realidade social e política da comunidade, município, estado ou do país. Eu aprendi esse método com Herbert de Souza – o Betinho, já falecido, grande sociólogo e animador do Movimento “Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida”.

Sei que vivemos num tempo em que pouca gente e poucas organizações da sociedade civil analisam a conjuntura. Parece que há um certo desinteresse para a análise de conjuntura. Geralmente, faz análise de conjuntura quem, de alguma forma, faz incidência sóciopolítica, ou seja, desenvolve uma atuação no campo social, político e comunitário, ação essa que precisa considerar as diferentes variáveis que podem interferir positiva ou negativamente nos objetivos de seu trabalho. Não só para isso, faz-se análise de conjuntura para detectar O jogo de forças na sociedade, identificar a relação entre essas forças e as possibilidade de fazer ecoar os projetos, intenções que se deseja, inclusive identificar possibilidades para um determinado projeto.

A gente não sabe, mas as forças que dominam nossa sociedade utilizam mecanismos poderosos de análise da conjuntura para obter campo aberto para suas intervenções, manipulando pessoas,notícias, grupos e instituições e assim atingir seus objetivos. E hoje, para quem não sabe, esses mecanismos são cada vez mais sutis. O filósofo italiano Felix Guattari fala em “modelação dos indivíduos”, defendendo que os setores dominantes da sociedade procuram introjetar valores, hábitos, crenças e desejos serializados. As pessoas são trabalhadas de forma individuada, constituindo-se em meros “produtos de fábrica”, seduzidos pelas imagens da mídia, desejantes das mesmas conquistas de seus pares; e de forma singular, em que o sistema favorece aos indivíduos a criação de modos próprios de relacionar-se com a vida e consigo mesmo, sem deixá-los, porém, fugir dos modelos identitários.

Pois é, para um projeto social, político, cultural, etc., tornar-se importante na sociedade, para uma comunidade, cidade, estado ou país, é necessário construir permanentemente uma visão crítica da realidade, avaliando sempre as variáveis em jogo, para também identificar as possibilidades desses projetos ganharem adesão social junto ao público, junto à comunidade ou junto à sociedade.

Nesse sentido, é importante não ser ingênuo, a sociedade é movida por interesses e para garanti-los os grupos e instituições utilizam mecanismos de controle e manipulação para convencer as pessoas das verdades que esses grupos e instituições desejam que acreditem e defendam.

Portanto, uma análise de conjuntura tem que atender a pelo menos três exigências:

1) ser um olhar, uma leitura de raiz, ou seja, ir a fundo nas questões, atentando-se para o que está por trás dos fatos e acontecimentos; 2) de conjunto, isto é, buscar entender as coisas em sua totalidade, articulando o micro com o macro, o geral e o específico, o essencial e acessório, etc.; 3) rigorosa, no sentido de que não pode ser uma leitura ingênua, superficial, sem imprimir a esse processo a reflexão crítica, a busca pelo que está muitas vezes invisível aos olhos, pois há aspectos da realidade que estão no campo do intangível, do não palpável. O analista da conjuntura tem que ser também um artista do invisível.

Vamos então ao que interessa: como se faz uma análise de conjuntura?

Passo 1: Levantar os elementos da conjuntura segundo as categorias abaixo

Numa leitura da conjuntura, devemos utilizar alguma categorias, sendo as mais importantes as seguintes:

a) Acontecimentos: fatos relevantes, com repercussão na comunidade, na população de um município, estado ou país. Fato é um coisa corriqueira, banal, “normal”. O acontecimento, ao contrário, mexe com a dinâmica local, estadual, nacional e mundial; são situações impactantes, chamam-nos atenção pelo modo como impactam a sociedade, produzindo mobilização, retração, desconfiança, medo, ira, insegurança, etc.;
b) Atores e sua organização: todo acontecimento tem por trás um protagonista, que tem uma determinada força de organização, cumpre um determinado papel político na sociedade. Identificá-los, saber como estão organizados, quais as suas forças, o que falam e como atuam é fundamental na análise de uma conjuntura. Esses atores podem ser pessoas (líderes), grupos, setores e até classes sociais;
c) Cenários: os acontecimentos ocorrem em determinados cenários; atentar para eles é também fundamental. Pode ser que, em determinado cenário, nossas possibilidades de ação sejam boas, noutro, porém, podem ser ruins;
d) Relação de forças: as classes e grupos, setores de uma sociedade estão sempre e atuam numa relação de forças. Verificar e ter uma idéia dessa força também é importante na análise de conjuntura; da mesma forma, saber como se expressa essa força é estratégico para uma análise que pretende discutir como interferir na conjuntura;
e) Estratégias: é fundamental identificar as estratégias utilizadas por cada uma dos atores na relação umas com as outras. Elas podem ser de cunho político, econômico, cultural, ideológico, etc.; devemos perceber o alcance e os limites dessas estratégias para poder nos contrapormos a elas.

Passo 2: Análise das informações

Este passo é o momento da análise propriamente dita. Ou seja, devemos fazer uma leitura das informações, procurando cruzar essas informações de modo a identificar os principais desafios e como enfrentá-los. Devemos tomar cada ator, cada força separadamente para poder entender seu movimento e interesses na sociedade; entender porque agem de um determinado modo e não de outro; porque utilizam determinada estratégia e não outra, e assim obter uma visão crítica da relação de forças. Podemos situar esses atores/forças conforme a relação de forças entre eles. É assim que começamos a entender determinados discursos e práticas sociais.

Pass 3: Conjuntura e Estrutura

É igualmente necessário e importante relacionar os aspectos da conjuntura com a estrutura, ou seja, com aqueles elementos da realidade que são mais permanente, que não mudam facilmente; esses elementos são a estrutura social, econômica, política e cultural de uma sociedade, de uma comunidade. Mudanças na estrutura demandam ou exigem ações revolucionárias ou ações capazes de mexer com a estrutura de poder estabelecida.

Passo 4: Identificar os desafios para uma ação na conjuntura

Este momento é de suma importância, pois aponta para uma ação consciente, crítica e efetiva na realidade, na cojuntura de acordo com os interesses de quem está fazendo a análise de conjuntura.

Assim, a análise deve localizar os desafios que precisam ser enfrentados a partir das descobertas; é importante perceber em que esfera estão esses desafios, pois,dependendo da esfera, podemos avaliar se nosso poder de intervenção é pequeno, médio ou grande, definindo a melhor estratégia de intervenção.

Passo 5: Planejar a ação no social

Após a análise, o grupo deve planejar sua ação, considerando todos os elementos da conjuntura. É claro que, dependendo dos interesses de quem está analisando a realidade, determinados elementos vão ser mais importantes que outros. Mas, a parte do planejamento pode ser tema para outro artigo.


sexta-feira, 16 de setembro de 2011

PALAVRA E CORPO

Nesses últimos dias, sob um movimento de devaneio do espírito, inquieto senti-me pensando em dois grandes poderes: o poder da palavra e do corpo, elementos fundantes e mediadores da comunicação. E me perguntei: qual desses poderes tenho acessado mais em meu cotidiano? A resposta foi óbvia: o poder da palavra, do verbo. Logo, conclui: falo mais com o verbo do que com o corpo.

Na inquietude dessa reflexão, buscando entender melhor a razão pela qual nos comunicamos pouco com nosso próprio corpo, me fez pensar o quanto somos exageradamente racionais e não exploramos, mobilizamos as nossas inteligências que caracterizam e configuram esses poderes. É, a gente tem muitas inteligências. Foi isso que descobriu o psicólogo Howard Gardner, que afirma que nós temos dez inteligências: linguística, que se manifesta na habilidade para lidar com as palavras nos diferentes níveis de linguagem; a lógico-matemática, a que determina a habilidade para o raciocínio dedutivo; a musical, que nos permite organizar sons de maneira criativa; a intrapessoal, que é a capacidade que tem uma pessoa para conhecer-se e estar bem consigo mesma, gerenciando bem seus sentimentos e emoções; a interpessoal, capacidade de se dar bem com outras pessoas e grupos; a espacial, capacidade de formar um modelo mental adequado das situações espaciais em que se encontra e orientar-se em direção aos seus projetos pessoais e coletivos; a corporal-cinestésica, é a inteligência que se revela como uma especial habilidade para utilizar e se comunicar com o próprio corpo de diversas maneiras; a naturalista, a sensibilidade para distinguir os seres vivos e outros elementos da natureza; a pictórica, capacidade de reproduzir pelo desenho, objetos e situações reais ou mentais; a existencial, capacidade e competência para ponderar sobre a vida e a morte e outras realidades.

Quando me dei conta desse número grande de inteligências, percebi que nós só mobilizamos uma mais cotidianamente: a linguística. Na verdade, nós nem cogitamos a possibilidade de que nossa existência, nossa materialidade ou presença no mundo se explicita ou emerge através de nosso corpo; que deveríamos conceber e mobilizar essas inteligências integradamente, explorando-as, tornando-as nossas parceiras na construção de nós mesmos e de nós mesmas, e da (nova) sociabilidade. Mas, por que será que não nos comunicamos com o corpo (inteligência corporal-cinestésica)? Por que nos distanciamos tanto de nosso corpo, apesar de uma ênfase muito grande, neste tempo de culto ao corpo, a esse elemento via a estética, a beleza? Mas, será que um corpo bem torneado, bem demarcado do ponto de vista físico, reflete ou demonstra que mobilizamos e nos comunicamos potencialmente com ele e através dele, enfim, que construimos e afirmamos nossa existencialidade no cotidiano de nossas vidas?

Sem querer oferecer uma resposta definitiva para as questões, podemos arriscar dizer que esse fato tem a ver com uma das heranças de nossa história e da história de nosso corpo: no Ocidente, aprendemos a cultivar mais a palavra do que corpo, corpo entendido aqui como uma multiplicidade de dimensões e possibilidades, como lugar e mediação comunicativa, como lugar e estrada de experiências e tessituras da vida.

Na verdade, teríamos que resgatar e atualizar em nós a nossa ancestralidade, o que quer dizer que precisamos nos redescobrir redescobrindo nosso corpo em suas origens: a nossa herança africana, a nossa afrodescendência. É neste berço que podemos (re) encontrar o sentido de nosso corpo. É como diz o francês Jacques Gauthier, filósofo, poeta e pedagogo: “o corpo de cada de um nós é uma forma de vida, que por ter uma história (...) e raízes ancestrais ainda atuantes, vivas, irradiantes, sabe muitas coisas – algumas claras, outras escuras e outras claras-escuras. Assim, podemos afirmar que o corpo pensa”.

Na perspectiva da cosmovisão africana, não há separação entre o corpo e a palavra, esses elementos estão integrados; o corpo é fonte e meio de produção da vida, de saberes e experiências, é produtor de cultura.

René Barbier, outro estudioso francês, nos ensina que uma pessoa só existe pela existência de um corpo, de uma imaginação, de uma razão, de uma afetividade em permanente interação. Assim, podemos tudo com o nosso corpo: ousar e sentir cheiros, toques, olhares, sons, tons...

Só de uns tempos para cá é que entendi a importância do movimento, da ginga, da relação do corpo com a natureza. E entendi isso através das leituras e vivências com os quilombolas, alguns professores e professoras, outros e outras líderes, educadores, educadoras, artístas e militantes da causa racial no Brasil. Me lembrei muito do que nos ensina Eduardo Oliveira em sua obra “Filosofia da Ancestralidade” (2007): ele nos ensina que o corpo inaugura outro maneira de ser, um outro modo de aprender e viver a vida. O corpo, na cultura de matriz afrodescendente, é compreendido a partir de três princípios: diversidade, integração e ancestralidade. O corpo, portanto, segundo esse autor, é uma síntese de uma filosofia, de uma cultura, signo de uma arte.

Parece certo dizer que fomos saqueados, desde a nossa constituição como nação, de nosso corpo. Entendo agora porque os coronéias maltratavam, batiam, acorrentavam e matavam os negros e negras - vidas-corpos africanos. Queriam destruir, na verdade, um outro modo de ser, de pensar e viver neste mundo, queriam destruir uma sabedoria milenar. Foi essa elite, aliada a outros setores e em diferentes momentos históricos, que impôs uma única maneira de ser, pensar e viver: através da racionalidade, portanto, através da palavra.

Nossas relações na atualidade, você deve concordar leitor e leitora, são pautadas, em grande medida, pela palavra. Não nos comunicamos ou nos comunicamos pouco com o corpo. Desaprendemos que o corpo é um universo e uma singularidade. Não quero dizer com isso que a palavra não seja fundamental em nossas relações e projetos, na construção de nós mesmos, de nós mesmas e da sociedade.

Será que é possível uma reinvenção de nós mesmos e de nós mesmas a partir de nosso corpo? Como podemos mobilizar mais esse poder universal e ancestral que é o nosso corpo?

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

AS DIVERSAS FACES DA POLÍTICA

A preocupação com o político tornou-se um imperativo na nossa sociedade. Esse fato nos lembra uma pergunta, levantada por Hanna Arendt, filósofa alemã, que morreu nos anos 70 (século XX), numa de suas obras, por sinal muito atual para os nossos tempos: “Tem a política algum sentido?”. Ela é atual porque nas últimas duas décadas, período em que no Brasil passamos por profundas transformações advindas das políticas neoliberais, cujas conseqüências alteraram o modo de conceber a política e de atuar no espaço do político. Essas transformações mexeram nas representações que tínhamos da política e mudaram o papel do Estado (suas instituições) e da Sociedade Civil (e suas instituições). O resultado mais concreto dessas transformações é uma profunda e crescente apatia e aversão à política e suas instituições, principalmente os partidos políticos.

Esse período de ascensão e fortalecimento das políticas neoliberais, coincide com a luta dos movimentos e organizações sociais pela redemocratização do Brasil, iniciada nos anos 80 (século XX) e visava ampliar a democracia, aprofundá-la e radicalizá-la para muito além do sistema político, pretendia estendê-la para as relações sociais no seu conjunto, portanto, tratava-se de um novo projeto societário. O marco formal de todo esse processo foi a Constituição de 1988, que assegurou vários elementos deste projeto.

Neste contexto histórico, duas maneiras de entender e fazer política foram ficando claras: uma, mais democratizante e participativa, que buscava construir, pela transformação da cultura, pela mobilização social e a inserção ativa e consciente dos sujeitos coletivos no processo social, uma nova sociabilidade, uma nova nação (soberania); a outra, que reduz o papel do Estado e estabelece uma nova relação com a sociedade, pautada no legalismo, no individualismo e no institucionalismo do direito, formalmente concebido e operado. Na primeira, a cidadania tem o sentido de um projeto para uma nova sociabilidade, um formato mais igualitário das relações sociais, inclusive novas regras para viver em sociedade, para a negociação de conflitos; um novo sentido de ordem pública e de responsabilidade pública. A segunda, a cidadania é concebida como participação formal, ligada ao legalismo do direito, assegurado na medida em que o indivíduo constrói competência e capacidade de sucesso para conquistá-lo.

Como observamos, neste contexto histórico a política vai assumindo diferentes concepções e apresentando diferentes faces, formas, conteúdos e ações. Essas questões são objetos de reflexão no presente artigo, cujo objetivo é oferecer uma compreensão crítica sobre a caminhada da POLÍTICA e da PARTICIPAÇÃO CIDADÃ no Brasil, tendo em vista o desafio instigante e atual de responder a pergunta: “tem a política algum sentido?”.

Os sentidos da Política

Para refletirmos sobre essa questão, vamos resgatar, de maneira resumida, as idéias de alguns pensadores e filósofos que, em diferentes épocas, procuraram responder aos desafios da organização social e econômica das cidades. Muitas dessas idéias serviram como referência para a estruturação das sociedades modernas, pois apresentaram modelos de como as sociedades deviam ser organizadas, gerenciadas e como deviam funcionar.

Aristóteles (384-322 a.C), em sua obra “Política”, afirma:

Em todas as artes e ciências o fim é um bem, e o maior dos bens e bem em mais alto grau se acha principalmente na ciência todo-poderosa; esta ciência é a política, e o bem em política é a justiça, ou seja, o interesse comum; todos os homens pensam, por isso, que a justiça é uma espécie de igualdade, e até certo ponto eles concordam de um modo geral com as distinções de ordem filosófica estabelecidas por nós a propósito dos princípios éticos
.

Para este filósofo a política é a ciência da felicidade humana e do bem comum. E para ele, a felicidade consiste num modo como a pessoa vive onde ela habita, nos costumes e nas instituições da comunidade da qual faz parte. O objetivo da política é descobrir, primeiro, a maneira de viver que leva à felicidade humana, ou seja, as condições de vida das pessoas. Por exemplo: descobrir o que as pessoas precisam e devem fazer para se sentirem mais felizes. Depois, a forma de governo e as instituições sociais, capazes de assegurar essa felicidade. Os governos e as instituições deveriam existir para garantir e assegurar a felicidade humana, o bem comum na cidade. Quando não cumprem essa função ou objetivo, defendendo interesses privados ou de uma classe só, essas instituições são consideradas depravadas, desvirtuadas ou pervertidas.

Vejamos alguns pensamentos da filósofa alemã Hanna Arendt (1906-1975):

Política trata da convivência entre diferentes. A política baseia-se na pluralidade dos homens. O objetivo da política é a garantia da vida no sentido mais amplo. É na esfera política e pública que realizamos nossa condição humana. O campo da política é o do diálogo no plural, que surge no espaço da palavra e da ação – o mundo público – cuja existência permite o aparecimento da liberdade. O poder corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas para agir em concerto. O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas na medida em que o grupo conserva-se unido. Quando dizemos que alguém está 'no poder', na realidade nos referimos ao fato de que ele foi empossado por um certo número de pessoas para agir em seu nome
.

As idéias de Arendt apontam para o entendimento de que a política baseia-se na relação interpessoal e na convivência, convivência esta que é diversa, pois se dá entre pessoas e grupos que são diferentes; portanto, a política é relação interpessoal, é comunicação e convivência na pluralidade, na diferença. É valorização do outro ou da outra na relação. A política é conversa, interação e diálogo entre os diferentes. A palavra e a ação é que fazem acontecer a política. Assim, podemos dizer que a política, segundo esta filósofa, é comunicação e ação. Quando um grupo resolve discutir ou tomar uma decisão e para isto leva em conta as opiniões e os diferentes interesses das pessoas da comunidade, dialogando sobre aquilo que é comum, que beneficia a todos, de modo que a comunidade alcance o seu objetivo e obtenha os resultados esperados, este grupo está fazendo a política da pluralidade, da comunicação e do diálogo apresentada por esta filósofa.

A outra idéia trazida por Arendt, está relacionada à compreensão de que a política é algo amplo, ou seja, diz respeito a todos, ao que é comum, a todo o ambiente social. Ora, este ambiente privilegiado é a cidade, é o mundo das relações sociais. A política então tem a ver com as relações entre as pessoas, os grupos, as instituições; com o que é comum, com o espaço que é de todos, com a cidade. A política, para Arendt, não deve se restringir às leis e às instituições, pois ela é ampla, deve orientar e conduzir a vida em todas as suas dimensões.

Por esta maneira de entender a política fica fácil compreendermos que a política não é uma coisa só para vereador, deputado, senador, governador e presidente. Ela diz respeito a todos e todas, ela é coisa de nosso dia-a-dia, pois todas as vezes que discutimos as questões que mexem com a vida social e comunitária, todas as vezes que nos referimos aos problemas que têm a ver com a renda, a saúde, a educação, com o emprego, a terra, estamos fazendo política. Fazer política, nesse sentido, é nos preocuparmos e fazermos algo pelo bem comum de todos. Então, concluímos: a política não é algo só de partidos, ela é meio e espaço para garantir o que é de todos os homens e de todas as mulheres.

Essa idéia de política, enquanto palavra e ação, relação de convivência e respeito pelo outro e pela a outra na diferença; enquanto construção e afirmação do espaço público, tem como alvo a liberdade. É na liberdade que se pode mostrar o que se é e o que se quer de forma aberta e interativa. Política é, pois, a palavra e a ação de construção da liberdade. Liberdade para pensar, ser e agir; para construir uma nova realidade.

Esperamos que este post suscite o interesse dos leitores e leitoras pela política, área tão fundante e fundamental de nossa existência e vida social. Veja outro post meu relacionado a este tema: "As eleições e a crise da representação" .

Quer acompanhar a política brasileira, indico os seguintes sites:

Brasil de Fato
Adital
Correio da Cidadania


OS SETE SABERES NECESSÁRIOS À EDUCAÇÃO DO FUTURO

Quais seriam os saberes necessários à educação do futuro, considerando que caminhamos para a consolidação da chamada "Sociedade da Aprendizagem"? A UNESCO pediu e Edgar Morin respondeu a questão no livro "Os sete saberes necessários à educação do futuro", publicado pela Editora Cortez em 2001, no qual faz uma profunda e transdisciplinar reflexão sobre a educação do amanhã.

As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão

Neste capítulo, o autor questiona a cegueira da educação , que não enxerga o que é o conhecimento humano, seus dispositivos, enfermidades, dificuldades, tendências ao erro e à ilusão; não se preocupa em conhecer o que é conhecer. Portanto, defende que se conheça a natureza do conhecimento, implicando no estudo das características cerebrais, mentais, culturais dos conhecimentos humanos, de seus processos e modalidades, das disposições psíquicas e culturais que conduzem esse conhecimento ao erro e à ilusão. Morin entende que todo conhecimento comporta risco de erro e ilusão. Nossa percepção é limitada, pois nossa subjetividade (emoções, sentimentos, temores, etc.) é marcada por preconceitos. E esses preconceitos decorrem de problemas que se originam em nossa mente, na nossa formação intelectual e nas idéias fixas que absorvemos ao longo de nossa vida e que guiam nossas concepções, escolhas e atitudes. Portanto, é preciso vigiar nossas formas de aprendizagem e conhecimento.

Os princípios do conhecimento pertinente

Nesta parte de sua obra, Morin defende e sugere como deve ser entendido e utilizado o conhecimento, chamando a atenção para a necessidade de organizar todas as informações, aprendizagens e articulá-las em suas várias dimensões. Diz que o verdadeiro conhecimento deve ser pertinente, isto é, tem que considerar as relações entre os elementos que o geram. Nesse sentido, todo o conhecimento precisa ser situado dentro de seu contexto para ser entendido, explicado e até reelaborado. Deve-se trabalhar ou considerar as relações entre o todo e as partes, por que ambos possuem qualidades que facilitam a compreensão e apreensão do conhecimento. O ser humano é multidimensional, ou seja, ele é ao mesmo tempo biológico, psíquico, social, afetivo e racional, portanto, o conhecimento deve levar em conta todas essas dimensões. Também deve considerar a dimensão da complexidade, isto é, a idéia de que tudo é construído junto, tudo está interligado, há uma interação entre os diferentes elementos do ensino e da aprendizagem.

Ensinar a condição humana

Neste capítulo Morin discorre sobre outro aspecto que, segundo ele, deve ser central na educação do futuro: é a condição humana. O ser humano deve ser pensado e trabalhado dentro de seu lugar no universo, pois a educação no ocidente fragmentou o ser humano, as ciências e seus olhares compartimentaram o conhecimento e as concepções a respeito desse ser humano. Morin apela para que a educação do futuro cuide da unidade e da diversidade do ser humano e busque a articulação entre essas dimensões. O uno e o diverso devem andar juntos. O ser humano só pode ser entendido na articulação entre essas duas dimensões. Todo o ensino deveria considerar a condição humana como objeto essencial no trabalho educativo, unindo os diferentes olhares: os da ciência da natureza, ciências humanas, da literatura e da arte.

Ensinar a identidade terrena

Morin critica a educação que ignora o destino planetário do gênero humano. No seu entendimento, a união planetária é uma exigência racional mínima de um mundo encolhido e interdependente. É necessário trabalhar a consciência e o sentimento de pertença mútuo, isto é, nossa identidade terrena. A realidade atual de destruição dos ecossistemas e dos recursos naturais que dispomos no planeta é um indicador de que estamos longe dessa consciência planetária. Convém, pois, ensinar a história da era planetária , que se inicia com o estabelecimento da comunicação entre todos os continentes no século XVI, mostrando como todas as partes do mundo se tornaram solidárias, sem deixar de denunciar as opressões e a dominação que devastaram a humanidade.

Enfrentar as incertezas

Nesta parte do livro, Morim adverte-nos que a história da humanidade não evoluiu de maneira linear, trazendo-nos incertezas, apesar das inúmeras certezas e verdades descobertas e afirmadas pela ciência. Aventura desconhecida é como o autor chama a história humana, ressaltando que a grande conquista da inteligência poderia ser a de libertar-se da ilusão de prever o destino humano. A educação deveria incluir o ensino das incertezas que surgiram nas ciências físicas (microfísica, termodinâmica, cosmologia), nas ciências da evolução biológica e nas ciências históricas. Da mesma forma deveria ensinar o ser humano a aprender a esperar o inesperado e a construir estratégias para enfrentar essas incertezas.

Ensinar a compreensão

Aqui Morin levanta a bandeira de que a educação deveria assumir o papel de promover a compreensão mútua, em todos os níveis educativos e em todas as idades. Deveria promover a reforma das mentalidades, visando unir os seres humanos a partir de outros princípios e valores, que não sejam os da competição, insensibilidade e coisificação dos seres. Para tanto, faz-se necessário estudar a incompreensão a partir de suas raízes, modalidades e seus efeitos.

A ética do gênero humano

Nesta parte de seu trabalho, Morin defende que a educação deve cuidar da "antropo-ética", levando em conta as três unidades que estruturam a pessoa: indivíduo/sociedade/espécie. Seria uma ética para a humanidade, uma vez que vivemos numa comunidade planetária. Esta comunidade exige novas relações de interdependência, solidariedade, participação, partilha. Seria uma cidadania terrestre.


terça-feira, 13 de setembro de 2011

Algumas dimensões do Processo de Formação nas ONGs

Este é o terceiro artigo no qual tratamos sobre o tema da formação no campo das ONGs e das organizações do Terceiro Setor.

Um pressuposto da Formação

Um pressuposto importante para a construção de uma proposta de formação no campo das ONGs e do Terceiro Setor diz respeito às dimensões que podem ser priorizadas ou privilegiadas no trabalho formativo. Essas dimensões podem nos ajudar a definir os objetivos, as estratégias, a estrutura, as temáticas do processo de formação.

Dimensão 1: Sociopolítica-cultural

Nesta dimensão seriam organizadas as temáticas e as atividades formativas relacionadas à “instrumentalização” das pessoas, organizações, movimentos sociais e comunidades em relação à compreensão e leitura crítica permanente da realidade social, política, econômica, cultural e simbólica em seus diferentes níveis: local, regional, nacional, em nível de América Latina e global, a partir do conhecimento e utilização das ferramentas de análise da realidade de cunho histórico, sociológico, antropológico e geográfico; questões territoriais.

Dimensão2: Institucional

Aqui entrariam todas as temáticas relativas ao projeto, à estrutura e identidade institucional da organização: missão, valores, visão, normas e procedimentos, documentos, etc.

Dimensão 3: Metodológica e Pedagógica

Esta dimensão abarcaria todas as temáticas relativas à ação pedagógica e metodológica: modelos de intervenção social; tendência do trabalho político-pedagógica; instrumentos, recursos e tecnologias para o trabalho pedagógico; os processos de ensino e aprendizagem nas comunidades, junto ao público alvo e nas organizações.

Dimensão 4: Gestão e Tecnologias de Comunicação e Informação

Esta dimensão incorporaria todas as questões temáticas referentes ao processo de gestão de pessoas, recursos e gestão do trabalho, bem como as questões relativas aos marcos legais e aos processos de PMAS (planejamento, monitoramento, avaliação e sistematização das ações e experiências) e a utilização das tecnologias de comunicação e informação. Brevemente, apresentaremos um post sobre o tema PMAS, bastante útil e que se constitui um desafio para muitas organizações do campo formal e não-formal.

Dimensão 5: Espiritualidade

Nesta dimensão estariam reunidas as temáticas e as atividades relativas à espiritualidade (pare além de pertencimento a uma religião): formação humana, afetiva e espiritual para fundamentar o compromisso sociopolítico; tratam-se de reflexões, vivências e aprofundamento da mística pessoal e coletiva dentro das organizações.

A definição ou priorização dessas dimensões depende do tipo de organização, de sua história, trajetória, missão, identidade e objetivos.

Três dicas para se tornar um excelente professor  on-line! O ensino à distância (EaD) é uma escolha popular para muitos estudantes uni...